segunda-feira, dezembro 26, 2005

CONTO DE NATAL II

* a partir de uma idéia original do Sharkinho.
Para que nunca nos esqueçamos que lá também é Natal.
Mar
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A criança tinha cambaleado sem tino pela savana ressequida. As pernas como dois finos ramos de árvore, quase sem forças para aguentar com o peso da lustrosa e proeminente barriga. Não sabia o que procurava, apenas caminhava, só a força do instinto de sobrevivência prendia ainda aquele corpo mirrado, a uma réstea de vida. Teria uns seis anos, embora não aparentasse mais do que três: a subnutrição não deixara que os ossos se desenvolvessem até ao tamanho normal para a idade.
Tinha pais e irmãos e tios e primos, pessoas que a amaram enquanto ainda conseguiram sentir algo mais do que o estômago colado nas costelas, antes de a malária as ter confinado a uma cama no pequeno hospital de campanha ou a SIDA as ter levado para um lado melhor do que aquela aldeola perdida nos confins de África.
Teria sido um menino normal, com um sorriso alvo e pequenos caracóis, teria gostado de fazer as coisas que fazem todos os meninos, jogar ao pião e ao berlinde, construir carrinhos de madeira e brincar às escondidas, poderia ter sido um engenheiro ou arquitecto famoso ou o médico que iria descobrir a cura para muitas doenças. Se tivesse nascido no Hemisfério certo...

Mas não. Fora apenas uma de entre os milhões de crianças que nascem e morrem no continente africano, como estrelas breves que povoam os céus para logo desaparecerem.
E agora era já uma sombra de ser humano, tombada no pó da planície, indiferente ao calor e à sede e ao magnífico pôr-de-sol que o fotógrafo capturara, minutos antes de a encontrar. Mais ao grande pássaro, à espera.

CHARQUINHO