sábado, janeiro 07, 2006

PEREGRINANDO

Lorenzo Sperlonga

Pedalava. Pedalava. “O cansaço não me levará a melhor”, murmurou na fala a que consigo se habituara. Respiração amiudada pelo esforço. Músculos tensos. Retesados. No ouvido, música portátil. Olhar fixo no longe. E pedalava.

Desfilavam imagens, momentos, visões do jamais acontecido e que, de tão vívido, parecia real. Abria baú de memórias. Misturava o visto, o experimentado com a fábula. “Do cansaço”, concluía, pedalando ainda mais. À volta, rostos esforçados, em todos o suor abrilhantado a face. Olhar em frente. Fixo. Anestesiado. “Quanto tempo faltaria?”, perguntava sem perguntar, porque os lábios não movia e da pergunta só ela sabia sem a si própria responder. A que distância o esforço a levava? Tudo lhe parecia igual, salvo os músculos das coxas e os da perna. A coluna firme, o abdómen hirto, o cóccix semi-levantado. E pedalava sem a ansiedade entorpecer.

“Porque não lhe telefonara ele? Como entender um sábado sem o ritual desejo de bom-fim-de-semana? Teria acontecido alguma coisa? Quis na voz esconder o que sabia eu adivinharia? Foi para fora e não teve coragem de mo dizer? Disparate, absurdo demais! Todavia...” E pedalava. A música zunindo e a dúvida e as imagens desfilando e o vento abanando a árvore nua que do quarto viam enquanto aspiravam o aroma de um café e o fumo do cigarro. A dois.

Parou. Vencera o desafio. Fora até ao fim. Índice de performance, bom. A aula de RPM findara. A ansiedade não.

Sem Pénis, Nem Inveja