sexta-feira, dezembro 16, 2005

Dentro da casa...

(Demuth)
Dentro da casa o mar ressoa como no interior de um búzio.Quando abro as gavetas a minha roupa cheira a maresia como um molho de algas. Profundos os espelhos reflectem demoradamente os dias.E em frente das janelas o mar brilha como inumeráveis espelhos quebrados. Os móveis são escuros e finos, sem verniz, encerados. O chão é esfregado, as paredes caiadas. Em todas as coisas está inscrita uma limpeza de sal.A exaltação marinha habita o ar. A casa é aberta e secreta, veemente e serena. Nela o menor ruído-tinir de loiça, degrau que range, respiração do vento, comboio que ao longe passa- é escutado. A casa está atenta a cada coisa. Todos os dias a renovam. A mais leve nuvem que passa ensombra o vidro dos espelhos. Nela cada dia é único e precioso como se contivesse a totalidade do tempo. No brilho da mesa, na transparência do copo há como que uma intensidade repousada.

Sophia de Mello Breyner Andresen ( A casa do mar)

Aguarelas de Turner